Page 154 - Revista TCE AM - 2023
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REVIS T A T CE- AM  •  TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS                                                            REVIS T A T CE- AM  •  TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS








              inciso II, da CRFB/88, no tocante ao Chefe do Poder Executivo,  4. O IMPACTO DA TESE FIXADA PELO                       das Cortes de Contas para julgar os Chefes do Poder Executivo,   Na supracitada ação constitucional, não se discute o julgamento
              para fins de inelegibilidade, a própria Corte vem manifestando-  SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA                           enquanto ordenadores de despesas, e, consequentemente, fixar   das contas de natureza política do Prefeito, realizado pela Câmara
              se de forma contraditória, ensejando, dessa forma, insegurança   ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS                       o órgão responsável para imputar inelegibilidade aos mesmos, a   Municipal, com fundamento no art. 31, § 2°, da CRFB/88, e que
              jurídica, controvérsia judicial e mitigação da competência dos                                                         Suprema Corte não enfrentou o mérito da questão da modulação   pode gerar a inelegibilidade do Chefe do Poder Executivo, a teor
              Tribunais de Contas.                                                                                                   dos efeitos daquela tese fixada, isto é, o referido RE transitou   do artigo 1°, inciso I, alínea “g”, da LC n° 64/1990. O objeto da
                                                                   A decisão do STF sobre a competência das Cortes de Contas         em julgado sem haver debate meritório sobre a modulação de   ADPF reside nos casos em que o Tribunal de Contas, constatando
              Sobre o exposto acima, impende colacionar trecho da decisão   estabelecida no art. 71, inciso II, da CRFB/88 no que diz   seus efeitos.                                     ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, poderá
              monocrática proferida pelo Ministro Luiz Fux, Relator dos autos   respeito ao Chefe do Poder Executivo, tem gerado efeitos                                                  aplicar multas e determinar que o gestor faça o ressarcimento
              do RE 1231883, bem como a ementa do julgamento final:  negativos e preocupantes no âmbito das Casas Fiscalizadoras     A ausência de modulação dos efeitos implica em invalidação   de valores ao erário (imputação de débito), sanções previstas no
                                                                   que, constantemente, tem tido suas decisões anuladas (seja via    desordenada das decisões dos Tribunais de Contas, instaurando-  artigo 71, incisos II e VIII, da CRFB/88.
                                                                   interna ou judicial), sem nenhum amparo temporal, bem como        se cenário de insegurança e instabilidade jurídica, deixando
                       “... apesar de a tese firmada no Tema 835 da Repercussão
                       Geral  dizer  “Para  fins do art.  1º,  inciso  I, alínea  g, da  Lei   sem a definição, de fato, acerca da legitimidade dos Tribunais   lacunas quanto às seguintes questões:  Esse mesmo entendimento, acerca da distinção entre
                       Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado   de Contas para aplicação de multas e imputação de débitos,                                                      inelegibilidade e aplicação de multas e demais sanções pelas
                       pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010”,  a   com ressarcimento ao erário, aos Chefes do Poder Executivo,   - Julgamentos de Contas de gestão do Chefe do Poder Executivo,   Corte de Contas, é reafirmado pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes
                       ratio decidendi do julgado não se restringe à seara   na condição de Ordenadores de Despesas, uma vez que os   Ordenador de Despesas, realizados pelos Tribunais de Contas   nos autos do RE 729.744, in verbis:
                       eleitoral no que se refere aos Tribunais de Contas,
                       pois não haveria razão para se atribuir a órgãos   Tribunais de Justiça têm interpretado e aplicado de maneira   antes da fixação da tese.
                       diversos o julgamento das contas de gestão dos   distinta as teses fixadas nos Temas 157 e 835 do STF, ora as   - Anulação das decisões dos Tribunais de Contas que julgavam
                       prefeitos considerados seus efeitos eleitorais, civis   restringindo aos fins previstos no artigo 1°, inciso I, alínea “g”,   as contas de gestão do Chefe do Poder Executivo,  após o   O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR)
                       ou administrativos, vez que se trata do mesmo   da Lei Complementar n°64/90 (Lei de Inelegibilidade), não     julgamento político das referidas Contas pelo Poder Legislativo.  [...] Por exemplo, no que diz respeito ao 71, II, se o prefeito
                       objeto. Saliento que as consequências de ordem civil e                                                                                                                       for ordenador de despesas, ele estará submetido a todas
                       administrativa  advindas  de  eventuais  irregularidades   impedindo a imputação de débitos ao administrador no âmbito da   - Multas aplicadas e débitos imputados ao Chefe do Poder   as regras ali estabelecidas - no que diz respeito à aplicação
                       cometidas pelos Prefeitos na ordenação de despesas   competência  constitucional supramencionada,  ora,  em sentido   Executivo, Ordenador de Despesas, que já tiveram todos os seus   de multas -, mas isso não dará ensejo à inelegibilidade
                       independem de deliberação das Câmaras Municipais, mas   diverso, impossibilitando a execução de decisões do Tribunal de   efeitos cessados.                                  (g.n.). (STF, RE 729744, Relator: GILMAR MENDES, Tribunal
                       não podem ser  impostas  diretamente pelos  Tribunais   Contas que não tenham sido referendadas pelo respectivo Poder   - Quadro legal de eleições anteriores em que o Tribunal Superior   Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
                       de Contas, havendo a necessidade de manejo das ações                                                                                                                         REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-186, DIVULG 22-
                       judiciais próprias.” (grifo)                Legislativo.                                                      Eleitoral assegurou a diversos candidatos o direito de serem   08-2017, PUBLIC 23-08-2017). Inteiro Teor do Acórdão -
                                                                                                                                     eleitos com fundamento na jurisprudência anterior à fixação da   Página 52, de 118.
                                                                   A tese fixada pela Suprema Corte com repercussão geral tem,       tese.
                       RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL.     como regra, eficácia contra todos (erga omnes), efeito retroativo                                                      Portanto, observa-se que a ADPF 982 se insurge contra o conjunto
                       ADMINISTRATIVO.   COMPETE   ÀS   CAMARAS    (ex tunc) e força vinculante. Contudo, é possível a modulação dos   Destarte, observa-se que a alteração do entendimento pacificado   de decisões que expressa a interpretação acerca da mitigação da
                       MUNICIPAIS JULGAR AS CONTAS DE GOVERNO      efeitos quando o STF, por maioria de 2/3 (pelo menos 8 Ministros)   por longo período tem imposto dificuldades às Cortes de Contas   competência dos Tribunais de Contas para a aplicação de multas
                       E  DE  GESTÃO  DOS  PREFEITOS – TEMA 835 DA   de seus membros, tendo em vista razões de segurança jurídica    no processo de adequação e cumprimento integral da decisão do   e de imputação de débitos, com ressarcimento ao erário.
                       REPERCUSSÃO GERAL. O PARECER PRÉVIO DO      ou de excepcional interesse social, decide restringir os efeitos   Supremo.
                       TRIBUNAL DE CONTAS QUE DESAPROVA AS CONTAS
                       DO  ALCAIDE  NÃO  PRODUZ  EFEITOS  ANTES  DA   daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir                                                    Há,  portanto,  que  se  distinguir  o  Parecer  Prévio,  de  caráter
                       DELIBERAÇÃO DA CAMARA MUNICIPAL – TEMA      de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento que      Como dito anteriormente, a partir da tese fixada pelo STF, alguns   opinativo, condicionado ao aval do Poder Legislativo, e o
                       157 DA REPERCUSSÃO GERAL. TESES QUE NÃO SE   venha a ser fixado (pro futuro) (LENZA, 2022, p. 2442/2443).     Tribunais de Contas e Tribunais de Justiça passaram a decidir de   julgamento das contas, mesmo do Chefe do Poder Executivo,
                       RESTRINGEM À SEARA ELEITORAL NO QUE SE REFERE                                                                 forma antagônica, visto que por um lado passaram a declarar a   como Ordenador de Despesas, com eventuais aplicações de
                       AOS TRIBUNAIS DE CONTAS. CONSEQUENCIAS      O professor Luís Roberto Barroso (2012, p. 287), Relator do RE    nulidade das penas aplicadas aos Chefes do Poder Executivo,   multas e imputações de débitos, com eficácia de título executivo,
                       DE ORDEM CIVIL E ADMINISTRATIVA ADVINDAS    848.826/DF (leading case do Tema 835), ensina que a atribuição    quando atuaram na qualidade de ordenadores de despesas, não   a teor do artigo 71, inciso II, CRFB/88.
                       DE EVENTUAIS IRREGULARIDADES COMETIDAS      de efeitos meramente prospectivos à mudança de orientação         só quanto aos efeitos eleitorais, mas também quanto à fixação
                       PELOS PREFEITOS NA ORDENAÇÃO DE DESPESAS    jurisprudencial  deverá  ser especialmente  considerada  nos      de multas e à  reparação  ao erário, enquanto por  outro lado   Nessa esteira, em que pese a ATRICON defenda a mudança da
                       INDEPENDEM DE DELIBERAÇÃO DAS CAMARAS       casos em que o entendimento que está sendo alterado tornou-       mantiveram o posicionamento anterior à decisão da Suprema   tese fixada pelo STF, por considerá-la ofensiva à redação do
                       MUNICIPAIS, MAS NÃO PODEM SER IMPOSTAS
                       DIRETAMENTE PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS,      se pacífico por longo período. Embora não haja uma alteração      Corte por entenderem, dentre os principais fundamentos, haver   art. 71, inciso II, da Constituição Federal, bem como ao princípio
                       HAVENDO NECESSIDADE DE MANEJO DAS AÇÕES     formal do Direito vigente, verifica-se uma alteração substancial,   distinção (distinguished) entre suas decisões e a tese fixada   republicado, a referida Associação, em obediência ao deliberado
                       JUDICIAIS  PRÓPRIAS.  RECURSO  DESPROVIDO.  que, como regra, deve valer apenas para a frente. Diante de tal   pelo STF (por não mencionar a questão da inelegibilidade),   pela Suprema Corte, editou a Resolução ATRICON nº 2/2020,
                       (STF, RE 1231883, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em   situação, o valor a ser promovido com a nova orientação deverá   ou que suas respectivas decisões estavam de acordo com a   responsável por trazer algumas recomendações aos Tribunais
                       07/10/2019, publicado em DJe-219 08/10/2019)   ser ponderado com outros valores, como a boa-fé, a proteção da   jurisprudência à época (efeitos ex nunc da tese fixada).  de Contas, no que tange, especificamente, às deliberações nos
                       (grifo)                                     confiança e a segurança jurídica.                                                                                      processos em que o Prefeito figura como ordenador de despesa. 6
                                                                                                                                     Nessa esteira, a Associação dos Membros dos Tribunais de
              À  luz  do  mencionado  entendimento,  o  papel  dos  Tribunais  de   No que se refere ao supracitado RE 848.826/DF, transitado em   Contas do Brasil (ATRICON) ajuizou a ADPF 982, na qual pleiteia   Aderindo integralmente às disposições da Resolução acima
              Contas se limitaria, tanto nas contas de governo quanto nas contas   julgado em 22/10/2019, registra-se que, em 26/01/2017, foram   que a Suprema Corte pronuncie a ilegitimidade constitucional   mencionada, editada pela  ATRICON, o  Tribunal  de Contas  do
              de gestão, no que diz respeito ao Chefe do Poder Executivo, tão   opostos Embargos de Declaração requerendo manifestação   do conjunto de decisões proferidas por Tribunais do país que   Estado do Amazonas (TCE/AM) elaborou a Portaria nº 152/2021-
              somente a emitir Parecer Prévio, caracterizando e distinguindo   sobre a modulação dos efeitos da decisão, os quais não foram   impedem o julgamento técnico das contas de gestão dos Chefes   GP, datada de 17/05/2021, na qual se optou por segregar em
              os referidos atos, a fim de instrumentalizar o julgamento, com   conhecidos por ilegitimidade da parte (requisito preliminar).  do Poder Executivo que agem na qualidade de Ordenadores de   processos distintos a análise dos atos de governo e dos atos de
              exclusividade, pelo Poder Legislativo, esvaziando, portanto, a                                                         Despesas.                                            gestão, de modo que as irregularidades desses últimos deverão
              validade do inciso VIII e §3º do artigo 71 da CRFB/88.   Assim, apesar dos intensos debates a respeito da competência                                                       ser apuradas nos autos de processos autônomos, conforme




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                                                                                                                                           ads/2020/06/Resoluc%CC%A7a%CC%83o-ATRICON-02_2020-Prefeito-ordenador-de-despesa.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2023.
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