Page 155 - Revista TCE AM - 2023
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REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS
inciso II, da CRFB/88, no tocante ao Chefe do Poder Executivo, 4. O IMPACTO DA TESE FIXADA PELO das Cortes de Contas para julgar os Chefes do Poder Executivo, Na supracitada ação constitucional, não se discute o julgamento
para fins de inelegibilidade, a própria Corte vem manifestando- SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NA enquanto ordenadores de despesas, e, consequentemente, fixar das contas de natureza política do Prefeito, realizado pela Câmara
se de forma contraditória, ensejando, dessa forma, insegurança ATUAÇÃO DOS TRIBUNAIS DE CONTAS o órgão responsável para imputar inelegibilidade aos mesmos, a Municipal, com fundamento no art. 31, § 2°, da CRFB/88, e que
jurídica, controvérsia judicial e mitigação da competência dos Suprema Corte não enfrentou o mérito da questão da modulação pode gerar a inelegibilidade do Chefe do Poder Executivo, a teor
Tribunais de Contas. dos efeitos daquela tese fixada, isto é, o referido RE transitou do artigo 1°, inciso I, alínea “g”, da LC n° 64/1990. O objeto da
A decisão do STF sobre a competência das Cortes de Contas em julgado sem haver debate meritório sobre a modulação de ADPF reside nos casos em que o Tribunal de Contas, constatando
Sobre o exposto acima, impende colacionar trecho da decisão estabelecida no art. 71, inciso II, da CRFB/88 no que diz seus efeitos. ilegalidade de despesa ou irregularidade de contas, poderá
monocrática proferida pelo Ministro Luiz Fux, Relator dos autos respeito ao Chefe do Poder Executivo, tem gerado efeitos aplicar multas e determinar que o gestor faça o ressarcimento
do RE 1231883, bem como a ementa do julgamento final: negativos e preocupantes no âmbito das Casas Fiscalizadoras A ausência de modulação dos efeitos implica em invalidação de valores ao erário (imputação de débito), sanções previstas no
que, constantemente, tem tido suas decisões anuladas (seja via desordenada das decisões dos Tribunais de Contas, instaurando- artigo 71, incisos II e VIII, da CRFB/88.
interna ou judicial), sem nenhum amparo temporal, bem como se cenário de insegurança e instabilidade jurídica, deixando
“... apesar de a tese firmada no Tema 835 da Repercussão
Geral dizer “Para fins do art. 1º, inciso I, alínea g, da Lei sem a definição, de fato, acerca da legitimidade dos Tribunais lacunas quanto às seguintes questões: Esse mesmo entendimento, acerca da distinção entre
Complementar 64, de 18 de maio de 1990, alterado de Contas para aplicação de multas e imputação de débitos, inelegibilidade e aplicação de multas e demais sanções pelas
pela Lei Complementar 135, de 4 de junho de 2010”, a com ressarcimento ao erário, aos Chefes do Poder Executivo, - Julgamentos de Contas de gestão do Chefe do Poder Executivo, Corte de Contas, é reafirmado pelo Exmo. Ministro Gilmar Mendes
ratio decidendi do julgado não se restringe à seara na condição de Ordenadores de Despesas, uma vez que os Ordenador de Despesas, realizados pelos Tribunais de Contas nos autos do RE 729.744, in verbis:
eleitoral no que se refere aos Tribunais de Contas,
pois não haveria razão para se atribuir a órgãos Tribunais de Justiça têm interpretado e aplicado de maneira antes da fixação da tese.
diversos o julgamento das contas de gestão dos distinta as teses fixadas nos Temas 157 e 835 do STF, ora as - Anulação das decisões dos Tribunais de Contas que julgavam
prefeitos considerados seus efeitos eleitorais, civis restringindo aos fins previstos no artigo 1°, inciso I, alínea “g”, as contas de gestão do Chefe do Poder Executivo, após o O SENHOR MINISTRO GILMAR MENDES (RELATOR)
ou administrativos, vez que se trata do mesmo da Lei Complementar n°64/90 (Lei de Inelegibilidade), não julgamento político das referidas Contas pelo Poder Legislativo. [...] Por exemplo, no que diz respeito ao 71, II, se o prefeito
objeto. Saliento que as consequências de ordem civil e for ordenador de despesas, ele estará submetido a todas
administrativa advindas de eventuais irregularidades impedindo a imputação de débitos ao administrador no âmbito da - Multas aplicadas e débitos imputados ao Chefe do Poder as regras ali estabelecidas - no que diz respeito à aplicação
cometidas pelos Prefeitos na ordenação de despesas competência constitucional supramencionada, ora, em sentido Executivo, Ordenador de Despesas, que já tiveram todos os seus de multas -, mas isso não dará ensejo à inelegibilidade
independem de deliberação das Câmaras Municipais, mas diverso, impossibilitando a execução de decisões do Tribunal de efeitos cessados. (g.n.). (STF, RE 729744, Relator: GILMAR MENDES, Tribunal
não podem ser impostas diretamente pelos Tribunais Contas que não tenham sido referendadas pelo respectivo Poder - Quadro legal de eleições anteriores em que o Tribunal Superior Pleno, julgado em 10/08/2016, ACÓRDÃO ELETRÔNICO
de Contas, havendo a necessidade de manejo das ações REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-186, DIVULG 22-
judiciais próprias.” (grifo) Legislativo. Eleitoral assegurou a diversos candidatos o direito de serem 08-2017, PUBLIC 23-08-2017). Inteiro Teor do Acórdão -
eleitos com fundamento na jurisprudência anterior à fixação da Página 52, de 118.
A tese fixada pela Suprema Corte com repercussão geral tem, tese.
RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONSTITUCIONAL. como regra, eficácia contra todos (erga omnes), efeito retroativo Portanto, observa-se que a ADPF 982 se insurge contra o conjunto
ADMINISTRATIVO. COMPETE ÀS CAMARAS (ex tunc) e força vinculante. Contudo, é possível a modulação dos Destarte, observa-se que a alteração do entendimento pacificado de decisões que expressa a interpretação acerca da mitigação da
MUNICIPAIS JULGAR AS CONTAS DE GOVERNO efeitos quando o STF, por maioria de 2/3 (pelo menos 8 Ministros) por longo período tem imposto dificuldades às Cortes de Contas competência dos Tribunais de Contas para a aplicação de multas
E DE GESTÃO DOS PREFEITOS – TEMA 835 DA de seus membros, tendo em vista razões de segurança jurídica no processo de adequação e cumprimento integral da decisão do e de imputação de débitos, com ressarcimento ao erário.
REPERCUSSÃO GERAL. O PARECER PRÉVIO DO ou de excepcional interesse social, decide restringir os efeitos Supremo.
TRIBUNAL DE CONTAS QUE DESAPROVA AS CONTAS
DO ALCAIDE NÃO PRODUZ EFEITOS ANTES DA daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir Há, portanto, que se distinguir o Parecer Prévio, de caráter
DELIBERAÇÃO DA CAMARA MUNICIPAL – TEMA de seu trânsito em julgado (ex nunc) ou de outro momento que Como dito anteriormente, a partir da tese fixada pelo STF, alguns opinativo, condicionado ao aval do Poder Legislativo, e o
157 DA REPERCUSSÃO GERAL. TESES QUE NÃO SE venha a ser fixado (pro futuro) (LENZA, 2022, p. 2442/2443). Tribunais de Contas e Tribunais de Justiça passaram a decidir de julgamento das contas, mesmo do Chefe do Poder Executivo,
RESTRINGEM À SEARA ELEITORAL NO QUE SE REFERE forma antagônica, visto que por um lado passaram a declarar a como Ordenador de Despesas, com eventuais aplicações de
AOS TRIBUNAIS DE CONTAS. CONSEQUENCIAS O professor Luís Roberto Barroso (2012, p. 287), Relator do RE nulidade das penas aplicadas aos Chefes do Poder Executivo, multas e imputações de débitos, com eficácia de título executivo,
DE ORDEM CIVIL E ADMINISTRATIVA ADVINDAS 848.826/DF (leading case do Tema 835), ensina que a atribuição quando atuaram na qualidade de ordenadores de despesas, não a teor do artigo 71, inciso II, CRFB/88.
DE EVENTUAIS IRREGULARIDADES COMETIDAS de efeitos meramente prospectivos à mudança de orientação só quanto aos efeitos eleitorais, mas também quanto à fixação
PELOS PREFEITOS NA ORDENAÇÃO DE DESPESAS jurisprudencial deverá ser especialmente considerada nos de multas e à reparação ao erário, enquanto por outro lado Nessa esteira, em que pese a ATRICON defenda a mudança da
INDEPENDEM DE DELIBERAÇÃO DAS CAMARAS casos em que o entendimento que está sendo alterado tornou- mantiveram o posicionamento anterior à decisão da Suprema tese fixada pelo STF, por considerá-la ofensiva à redação do
MUNICIPAIS, MAS NÃO PODEM SER IMPOSTAS
DIRETAMENTE PELOS TRIBUNAIS DE CONTAS, se pacífico por longo período. Embora não haja uma alteração Corte por entenderem, dentre os principais fundamentos, haver art. 71, inciso II, da Constituição Federal, bem como ao princípio
HAVENDO NECESSIDADE DE MANEJO DAS AÇÕES formal do Direito vigente, verifica-se uma alteração substancial, distinção (distinguished) entre suas decisões e a tese fixada republicado, a referida Associação, em obediência ao deliberado
JUDICIAIS PRÓPRIAS. RECURSO DESPROVIDO. que, como regra, deve valer apenas para a frente. Diante de tal pelo STF (por não mencionar a questão da inelegibilidade), pela Suprema Corte, editou a Resolução ATRICON nº 2/2020,
(STF, RE 1231883, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em situação, o valor a ser promovido com a nova orientação deverá ou que suas respectivas decisões estavam de acordo com a responsável por trazer algumas recomendações aos Tribunais
07/10/2019, publicado em DJe-219 08/10/2019) ser ponderado com outros valores, como a boa-fé, a proteção da jurisprudência à época (efeitos ex nunc da tese fixada). de Contas, no que tange, especificamente, às deliberações nos
(grifo) confiança e a segurança jurídica. processos em que o Prefeito figura como ordenador de despesa. 6
Nessa esteira, a Associação dos Membros dos Tribunais de
À luz do mencionado entendimento, o papel dos Tribunais de No que se refere ao supracitado RE 848.826/DF, transitado em Contas do Brasil (ATRICON) ajuizou a ADPF 982, na qual pleiteia Aderindo integralmente às disposições da Resolução acima
Contas se limitaria, tanto nas contas de governo quanto nas contas julgado em 22/10/2019, registra-se que, em 26/01/2017, foram que a Suprema Corte pronuncie a ilegitimidade constitucional mencionada, editada pela ATRICON, o Tribunal de Contas do
de gestão, no que diz respeito ao Chefe do Poder Executivo, tão opostos Embargos de Declaração requerendo manifestação do conjunto de decisões proferidas por Tribunais do país que Estado do Amazonas (TCE/AM) elaborou a Portaria nº 152/2021-
somente a emitir Parecer Prévio, caracterizando e distinguindo sobre a modulação dos efeitos da decisão, os quais não foram impedem o julgamento técnico das contas de gestão dos Chefes GP, datada de 17/05/2021, na qual se optou por segregar em
os referidos atos, a fim de instrumentalizar o julgamento, com conhecidos por ilegitimidade da parte (requisito preliminar). do Poder Executivo que agem na qualidade de Ordenadores de processos distintos a análise dos atos de governo e dos atos de
exclusividade, pelo Poder Legislativo, esvaziando, portanto, a Despesas. gestão, de modo que as irregularidades desses últimos deverão
validade do inciso VIII e §3º do artigo 71 da CRFB/88. Assim, apesar dos intensos debates a respeito da competência ser apuradas nos autos de processos autônomos, conforme
6 Associação dos Membros do Tribunal de Contas (ATRICON). Resolução nº 2/2020. Disponível em: <https://www.atricon.org.br/wp-content/uplo-
ads/2020/06/Resoluc%CC%A7a%CC%83o-ATRICON-02_2020-Prefeito-ordenador-de-despesa.pdf>. Acesso em: 31 ago. 2023.
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