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 fase, orientada pelo paradigma dos direitos humanos, em   Sobre esse modelo social e interpretativo de antidiscriminação,   autonomia para praticá-los, não cabendo mais a presunção legal
 Assim, objetiva-se  demonstrar que  a influência  exagerada   que emergem os direitos à inclusão social, com ênfase na   salutar destacar a elucidação de Rezende (2013; p. 25):  de ausência de discernimento. Prevalece, assim, a equidade no
 de outrora do Estado no decidir sobre a vida das pessoas com   relação da pessoa com deficiência e do meio em que ela se   plano normativo e o respeito a sua autodeterminação.
 insere, bem como na necessidade de eliminar obstáculos e
 deficiência atingia fortemente sua liberdade para escolher como   barreiras superáveis, sejam elas culturais, físicas ou sociais,   Pela dimensão social, as barreiras são criadas pela
 e quais direitos exercer, de forma que tal “proteção” privava a   que impeçam o pleno exercício de direitos humanos.  sociedade que não está devidamente adaptada para   Desta feita, deve ser extraído da norma que a pessoa com
 própria felicidade do indivíduo (e também direitos fundamentais   receber e lidar com as PCD, devendo, portanto, se modificar   deficiência tem plena capacidade de fato, contudo, em ato
 associados à sua existência).   Logo, vemos que a pessoa com deficiência era vista como um   para ser acessível a todas as pessoas, indistintamente.   contínuo, caso haja eventual necessidade de proteção a norma
 ser impuro, posteriormente invisível, até que se passou para uma   Essa matriz ainda é recente e configura-se como uma nova   não irá desampará-la, havendo, inclusive, institutos protetivos
                 forma de se interpretar a deficiência, responsabilizando
 Ante todas as ilações apresentadas, este trabalho visa   compreensão de visível, mas estigmatizado como enfermo, para   a sociedade pela adequação necessária às necessidades   próprios como a tomada de decisão apoiada e a curatela.
 destacar a acessibilidade como direito fundamental da pessoa   só então receber um tratamento humano e inclusivo.   de todas as pessoas. Pode também ser denominada como
 com deficiência, de  forma que esta tenha a oportunidade de   modelo social da deficiência.  Ante o exposto, impende destacar que essa nova forma de ver
 utilização de todos os bens, serviços, operações, sistemas,   Destaca-se, assim, que o Código Civil, em 2002, ao abordar o   a teoria das incapacidades sobressai da teleologia interpretativa
 tecnologias e tudo o que mais quiser, em igualdade de condições   conceito de pessoa elencou a deficiência de alguém (pelo menos   Com a alteração promovida pela citada Lei, houve a revogação   dos artigos 3º e 5º da Constituição Federal e do artigo 4º do
 com as demais pessoas, cabendo ao Estado, ao ordenamento e   a deficiência mental) como enfermidade, tanto que a afastou do   de incisos dos artigos 3º e 4º do Código Civil Brasileiro, passando   Estatuto da Pessoa com Deficiência que dispõe que “toda
 à sociedade apenas garantirem esse direito, criando os meios e   direito de ter reconhecida sua capacidade de fato, consoante art.   a estar disciplinado que em nenhuma hipótese a pessoa em   pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades
 condições necessários para tanto.  3º, inciso II e art. 4º, incisos II e III.  razão de uma deficiência poderá ser considerada absolutamente   com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de
        incapaz. Ademais, foram qualificados como relativamente   discriminação”.
 Para satisfazer essa proposta, o artigo será dividido em três   Com isto, a pessoa com deficiência mental ou era considerada   incapazes os que, por causa transitória, não puderem exprimir
 seções, além da Conclusão, buscando enfatizar a nova visão de   absolutamente incapaz e deveria ser interditada (acarretando   sua vontade.  2. AS GARANTIAS FUNDAMENTAIS
 capacidade civil em conformidade com o Estatuto de Inclusão   sua “morte civil”) ou deveria ser considerada relativamente   ASSEGURADAS ÀS PESSOAS COM DE-
 da  Pessoa com  Deficiência, perpassando pelas garantias   incapaz, necessitando de assistência. De toda forma, forte seria   É neste novo  cenário  legal  que a  teoria das capacidades   FICIÊNCIA ANTE O RECONHECIMENTO
 fundamentais  asseguradas  pelo  reconhecimento  desta  a privação da prática de atos perante a sociedade.  estabelecida na legislação civil brasileira realmente passa a
        atender  aos  parâmetros  internacionais  de  inclusão.  À  pessoa  DE SEU DIREITO INATO À CAPACIDA-
 capacidade, findando, então, com a estruturação do princípio   com deficiência não é dada mais tão somente a capacidade de  DE DE FATO
 da busca da felicidade (e também sua aplicação como vetor   Contudo,  conforme  destacado  pela  Secretaria  Nacional  de
 interpretativo e como elemento de justeza normativa) a partir   Promoção dos Direitos da Pessoa (2011), essa visão deturpa a   direito (inerente ao ser humano), mas também o direito de ter
 das concepções ora defendidas.  ideia de que “pessoas com deficiência são, antes de mais nada,   capacidade de fato (definida como a capacidade do sujeito de   Como visto, através do Estatuto de Inclusão da Pessoa com
 PESSOAS. Pessoas como quaisquer outras, com protagonismos,   adquirir direitos e contrair deveres por si) dissociado da situação   Deficiência, houve a mudança de concepção na teoria das
 1. O DESENVOLVIMENTO DA TEORIA   peculiaridades, contradições e singularidades”. E que “a   de possuir alguma deficiência, seja ela qual for.   capacidades, agora vista de forma dissociada da deficiência que
 DAS CAPACIDADES DESDE O CÓDIGO   deficiência é apenas mais uma característica da condição   Nesta senda, vaticinou o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:  alguém possa ter. Esta mudança é fruto da ideia de inclusão
 CIVIL DE 2002 E O TRATAMENTO CON-  humana”.                  social e de um meio ambiente equilibrado e propício a sadia
                                                              qualidade de vida, trazendo a qualquer indivíduo a possibilidade
 CEBIDO À PESSOA COM DEFICIÊNCIA  Além disso, sendo a igualdade um valor democrático, não   APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE INTERDIÇÃO E CURATELA.   de, em igualdade de condições, buscar “viver uma boa vida” e

 se vislumbra sua conformidade (principalmente quando   PLEITO DE INTERDIÇÃO PARA TODOS OS ATOS DA VIDA   “ser feliz”.
 O Código Civil (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) prevê   consideramos sua vertente material) em normas que não   CIVIL. DESCABIMENTO. MANUTENÇÃO DO DECISUM. O
 em seu artigo 1º que toda pessoa é capaz de direitos e deveres   respeitam às diferenças ainda mais quando estamos diante de   Estatuto da Pessoa com Deficiência entendeu, em seu artigo   Isto decorre do fato de ser o direito um fenômeno social em que
 na ordem civil. Logo, o legislador pátrio inicia o direito material   uma sociedade multicultural como a nossa, conforme destaca   6º, conceder capacidade civil plena para todo e qualquer   Bobbio (2004, p. 63) já ressaltava que “[...] o próprio homem não
                 deficiente,  com  o  escopo  de  promover  a  inclusão  social.
 civilista já abordando o conceito de pessoa e de capacidade.  Saffioti (2015, p.34) ao pontar que o par da diferença é a   Nos termos da nova legislação, a pessoa com deficiência   é mais considerado como ente genérico, ou homem em abstrato,
 identidade e que são bem-vindas as identidades como também   aquela que tem impedimento de longo prazo, de natureza   mas  é visto na especificidade ou na concreticidade de suas
 Em sendo assim, pessoa poderia ser definida como o indivíduo   as diferenças numa sociedade multicultural.  física, mental, intelectual ou sensorial, de acordo com o   diversas maneiras  de  ser em  sociedade,  como criança,  velho,
 considerado por si mesmo, ou seja, o ser humano enquanto   artigo 2º, não deve ser mais tecnicamente considerada   doente, etc.”
                 civilmente incapaz, na medida em que a deficiência não
 criatura, remanescendo nessa conceituação vaga e abstrata   O domínio do social abrange, assim, todos os membros de   afeta a plena capacidade civil, nos termos dos artigos 6º e
 (mas vantajosa em essência) a imensidão que lhe é inerente.   uma determinada comunidade, devendo a sociedade buscar   84. Entendimento do Superior Tribunal de Justiça firmado   Seguindo esta diretriz, o Estatuto passou a possibilitar (com
 E, deveria parecer óbvio, que dentro deste conceito estariam   igualar  em  quaisquer  circunstâncias.  Disto  surge  a  vitória  da   no sentido de uma dissociação necessária e absoluta entre   a alteração promovida no art. 228, §2º do Código Civil) que a
 as pessoas com deficiência, todavia essa não foi a realidade   igualdade com o reconhecimento político e jurídico do fato de   o transtorno mental e o reconhecimento da incapacidade.   pessoa com deficiência poderá testemunhar em igualdade de
                 Curatela que afetará apenas os atos relacionados aos
 experimentada por muito  tempo, conforme ensina Piovesan   que a sociedade conquistou o domínio público, e que a distinção   direitos de natureza patrimonial e negocial, não alcançando   condições com as demais pessoas, sendo-lhe assegurados todos
 (2013, p. 46) acerca das fases de compreensão do que seria a   e a diferença apenas devem existir como assuntos privados do   o direito ao próprio corpo, à sexualidade, ao matrimônio,   os recursos de tecnologia assistiva.
 “pessoa com deficiência”:  indivíduo, consoante Arendt (2014, p. 50).   à privacidade, à educação, à saúde, ao trabalho e ao voto,   Além disso, trazendo nova redação ao art. 1550, §2º do citado
                 conforme previsto no artigo 85, caput e § 1º, da Lei n.
                 13.146/2015. Inviabilidade da pretensão do Ministério   Código, deixou-se evidente que a pessoa com deficiência mental
 a)  uma  fase  de  intolerância  em  relação  às  pessoas  com   A concepção jurídica então estabelecida no Código Civil   Público em  ver  ampliada a  extensão  da  curatela,  para   ou intelectual em idade núbia poderá contrair matrimônio,
 deficiência, em que esta simbolizava impureza, pecado   necessitava de revisão (para fins de adequação ao modelo   fins de alcance de todos os atos da vida civil, à vista da   expressando sua vontade diretamente ou por meio de seu
 ou  mesmo castigo divino; b)  uma  fase marcada pela   social de deficiência), a qual somente veio a ocorrer com a Lei nº   restrição legal...  imposta  e para  restarem  assegurados   responsável ou curador. Ademais, excluiu do rol de erro essencial
 invisibilidade das pessoas com deficiência; c) uma terceira   direitos mínimos ao curatelado, mormente sobre questões   sobre a pessoa do outro cônjuge a “ignorância, anterior ao
 fase, orientada por uma ótica assistencialista, pautada na   13.146, de 06 de julho de 2015 (entrou em vigor em janeiro de   pessoais. Apelação desprovida.
 perspectiva médica e biológica de que a deficiência era   2016) que consubstanciou o que já estava normatizado no Brasil   casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne
 uma “doença a ser curada”, estando o foco no indivíduo   a partir do Decreto nº 6.949/2009 que promulgou a Convenção   Logo, esta nova visão garante à pessoa com deficiência a   insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado” (artigo
 “portador da enfermidade”; e d) finalmente uma quarta
 Internacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência.  aptidão para exercer os atos jurídicos, e concomitantemente,   1.557, IV, Código Civil).






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