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REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS REVIS T A T CE- AM • TRIBUN A L DE C ONT AS DO AMA Z ON AS
Assim, na estrutura da busca da felicidade, é essencial reconhecer assistir aquele que não manifesta qualquer vontade? Logo, diante de situações (em casos concretos) em que a Contudo, haverá casos e cenários de dúvida, e, para estes, o
toda pessoa como ser capaz de contrair direitos e deveres por si Estará tal negócio sujeito a prazo decadencial? Estará capacidade da pessoa com deficiência possa aparentar criar vetor de interpretação da nova teoria das capacidades deve ser
só, tenha ou não ela algum tipo de deficiência. Somente então, sujeito à confirmação? Já os deficientes mentais, levados embaraços de justeza normativa (como uma possível desproteção o princípio da busca da felicidade (e o ordenamento enquanto
à plena capacidade, poderão negociar validamente. Há aí
vê-se a busca da felicidade enquanto direito de todos, isto é, algum indício de proteção? Muitas são as questões, pois a a uma pessoa em coma, por exemplo), a saída interpretativa sistema) como dito anteriormente. Deve-se separar a condição
como um direito isonômico a ser coletivamente assegurado. pobreza de qualidade da lei 13.146/2015 tem força para se encontra no próprio ordenamento (enquanto sistema), em existencial (capacidade de fato) da deficiência em si, e quando
destruir um aperfeiçoadíssimo sistema protetivo. que todo o bloco de constitucionalidade deve ser utilizado esta exigir proteção, deve-se utilizar, na dúvida, a equidade e
No Brasil, tal princípio tem ganhado notoriedade, havendo, para harmonização, incluindo, com isto, o princípio da busca da justeza do sistema que vislumbre maior felicidade (garantia de
inclusive, a Proposta de Emenda à Constituição nº 19/2010 Claro que muitas situações se apresentarão frente à nova teoria felicidade. Busca-se, assim, a obediência civil à norma. condições mínimas de dignidade e existência) à pessoa com
propondo alterar o artigo 6º da Constituição Federal, para de capacidades. E tudo que é novo e transformador traz dúvidas deficiência.
incluir o direito à busca da felicidade, cujas premissas apontam e medos. Todavia, o maior equívoco daqueles que desmerecem Registre-se que, seguir a defendida harmonização, busca dar ao
que “uma sociedade mais feliz é uma sociedade mais bem a inovação tratada está exatamente naquilo que acreditam: magistrado uma segurança jurídica consubstanciada no próprio Amplie-se, se o caso requerer, a interpretação a ser dada a
desenvolvida, em que todos tenham acesso aos básicos serviços proteger é cuidar, é zelar pela pessoa com deficiência. O equívoco ordenamento e nos axiomas de maior relevância defendidos norma, a fim de cumprir a própria Convenção Internacional
públicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, está em não associar esse “sentimento” com a extensão a essas pelo próprio constituinte, evitando, assim, insurgências de sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e seu protocolo
dentre outros”. pessoas de sua autonomia, de seus direitos existenciais. desobediência civil por eventuais compreensões de invasão facultativo, assinados em Nova Iorque, em 30 de março de 2007,
indevida de direitos, consoante expressa Dworkin (2002, p. 264) e que possuem força de Emenda Constitucional (por terem sido
Assim, vê-se como solução a aplicação do princípio da busca da
Em face do exposto, considerando que o Direito é, entre outros felicidade com o respeito às condições mínimas de existência do ao entender que até a Lei poderia vir a ser desobedecida em tal incorporados na forma do art. 5, §3º da Constituição Federal) e,
fatores, um instrumento de pacificação social, infere-se sua indivíduo (potencializado para a pessoa com deficiência), isto é, situação. assim, garanta-se a autonomia (capacidade de fato) e a proteção
orientação teleológica para que as pessoas possam buscar, na dúvida, deve prevalecer a sua proteção (coexistindo com sua necessária à pessoa com deficiência, conforme leciona Farias,
livremente, a felicidade, não podendo em hipótese alguma ser autonomia); devem ser respeitados seus direitos sociais; deve A proteção e a autonomia existencial da pessoa com deficiência Cunha e Pinto (2016, p. 312-313) ao dispor que “se o seu
tirada a autonomia de alguém pelo simples fato de possuir haver um viés de interpretação sistemática do ordenamento não são, pois, opostas, pelo contrário, as prescrições normativas comportamento revela, de fato, uma absoluta impossibilidade
uma deficiência. Caso contrário, estar-se-ia a tutelar o próprio jurídico com base na equidade; deve-se, pois, ver e aplicar a lastreadas no dever ser (com a consequente aplicação da busca de exercício da pretensão, deve-se admitir uma ampliação do rol
sofrimento humano. Nesse sentido, as palavras de Saway (2003, norma em seu “espírito de justeza”, posto que o ordenamento da felicidade) impõem a coexistência delas, de forma que a previsto em lei”.
p. 63/64) que ressaltam que “negar as necessidades básicas do jurídico deve ser visto e aplicado de forma honesta. capacidade civil da pessoa nunca seja afastada pela deficiência,
ser humano – potência de liberdade e felicidade, que podem ser ao passo que seja mantida a proteção do ordenamento quando No âmbito do Supremo Tribunal Federal, o Ministro Celso de
traduzidas por reconhecimento, carinho, (com)paixão, ter em Nesse sentido, tem-se como exemplo prático a Justiça do o caso requerer. Mello (Relator do Recurso Extraordinário n. 477554/MG) tratou
quem confiar –, é negar sua humanidade e gerar um profundo Trabalho que reiteradamente afasta normas injustas para buscar o princípio da busca da felicidade nesse mesmo sentido de
sofrimento que pode ser qualificado de ético-político”. Foi isto que o próprio legislador previu ao alterar a legislação vetor interpretativo, expondo-o como fator de neutralização
no ordenamento soluções impostas por nosso atual patamar previdenciária, mantendo a pessoa com deficiência com de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa
civilizatório, como destacou o Relator Marcos Neves Fava no
O próprio ordenamento não pode traduzir desprezo ou desrespeito julgamento do Recurso Ordinário 00021098220145020044/ mais de 18 anos, agora considerada capaz, consoante Lei nº comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e
às pessoas com deficiência, sendo inerente o reconhecimento da SP: 13.146/2015, como beneficiária de pensão previdenciária (não franquias individuais, a saber:
capacidade de fato dessas pessoas como elemento estruturante mais pela incapacidade, mas pela deficiência), a saber (Lei nº
ao princípio da busca da felicidade, pois, conforme ensina Melo 8.213, de 24 de julho de 1991): Tenho por fundamental, ainda, na resolução do presente
e Ferreira (2019, p. 35), “o homem tem o direito a ter condições DISPENSA DISCRIMINATÓRIA. EMPREGADO ALCOÓLATRA. litígio, o reconhecimento de que assiste, a todos, sem
mínimas para tomar ações que julgue necessárias para alcançar DOENÇA GRAVE E ESTIGMATIZANTE. ILEGALIDADE. ÔNUS Art. 16. São beneficiários do Regime Geral de Previdência qualquer exclusão, o direito à busca da felicidade,
DA PROVA. INVERSÃO. PROVA IMPOSSÍVEL. SÚMULA 443,
verdadeiro postulado constitucional implícito, que se
seu ideário de felicidade”. DO TST. ALEGAÇÃO DE JUSTA CAUSA NÃO COMPROVADA. Social, na condição de dependentes do segurado: I - o qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do
REINTEGRAÇÃO DEVIDA. DANOS MORAIS. VIOLAÇÃO A cônjuge, a companheira, o companheiro e o filho não princípio da essencial dignidade da pessoa humana. (...).
emancipado, de qualquer condição, menor de 21 (vinte e
Partindo dessas premissas, defende-se ainda que toda e DIREITO FUNDAMENTAL. ATAQUE À INTEGRIDADE DO um) anos ou inválido ou que tenha deficiência intelectual Reconheço que o direito à busca da felicidade – que se
qualquer celeuma que possa vir a surgir em decorrência da CIDADÃO TRABALHADOR. CONFIGURAÇÃO. INDENIZAÇÃO ou mental ou deficiência grave; (...) mostra gravemente comprometido, quando o Congresso
MEDIDA PELA EXTENSÃO DO DANO. O direito de resilição
mudança de paradigma implementada pelo Estatuto da Pessoa absoluto, por exercício do amplo poder potestativo III - o irmão não emancipado, de qualquer condição, menor Nacional, influenciado por correntes majoritárias, omite-
com Deficiência em relação à teoria das capacidades, seja patronal, não subsiste mais nesta quadra do século XXI, de 21 (vinte e um) anos ou inválido ou que tenha deficiência se na formulação de medidas destinadas a assegurar, a
interpretada com esteio no princípio da busca da felicidade diante do incremento das regras de proteção aos direitos intelectual ou mental ou deficiência grave; (...). grupos minoritários, a fruição de direitos fundamentais –
representa derivação do princípio da dignidade da pessoa
dessas pessoas. sociais. Dentre estas, emerge a proteção contra a despedida humana, qualificando-se como um dos mais significativos
discriminatória. O ato de discriminação constitui violência
gravíssima, no atual patamar civilizatório que vivenciamos, Assim, a teleologia protetiva permaneceu juntamente com a postulados constitucionais implícitos cujas raízes
Destaca-se que a mudança normativa recebe diversas críticas porque não se escusa em argumentos racionais, autonomia e capacidade da pessoa, tudo como forma de permiti- mergulham, historicamente, na própria Declaração de
sob o pretexto de retirar proteção daquele que deveria proteger, menoscaba a integridade do homem e é reprovado, la buscar seu ideário de felicidade. Independência dos Estados Unidos da América, de 04 de
julho de 1776. (...).
conforme destaca Kümpel e Borgarelli (2015): severamente, pela sociedade. Não configurada a alegação
de justa causa, tem-se a despedida por presumivelmente
discriminatória, adotada a diretriz da súmula 443, do TST. Na própria legislação penal, também houve esta compreensão Nesse contexto, o postulado constitucional da busca da
felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que
Consequentemente, faz jus o empregado à reintegração e e sequer necessitou de qualquer alteração, posto que o Código
Parece incrível o dispositivo legal. Aterrorizante, na verdade. se irradia o princípio da dignidade da pessoa humana,
O seu pretenso alvo de proteção é, ao mesmo tempo, sua à indenização pelos danos morais sofridos. A indenização Penal (art. 26) já associava a inimputabilidade à deficiência, não assume papel de extremo relevo no processo de afirmação,
maior vítima! Levada a pessoa em coma à qualidade de mede-se pela extensão do dano, que leva em conta a à capacidade. Assim, eventual concessão de isenção de pena ao gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-
relativamente incapaz, o negócio praticado por ela passa profundidade da agressão e o grau de culpa, neste caso, agente ocorre não por ser incapaz, mas por ter uma deficiência se, em função de sua própria teleologia, como fator de
a ser meramente anulável (art. 171, I do CC/02), em não grave, do agente. Recurso do reclamante, no particular, que não o permita entender o caráter ilícito do fato ou de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja
sendo provada a simulação (art. 167, paragrafo 1º). Não provido. ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo,
haverá mais a tutela do art. 166, inc. I. O sujeito acometido determinar-se de acordo com esse entendimento. esterilizar direitos e franquias individuais. (...).
por esse mal passa a ser assistido. Como é possível apenas
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